Homenagem
O legado preservado pelo viés da música
Aos 90 anos, L.C. Vinholes tem seu ativismo cultural reconhecido pela UFPel e pelo município
Jô Folha - DP - Na Discoteca, a qual Vinholes é patrono, estão objetos e documentos doados por ele, incluindo um mascote da cidade de Suzu
Aos 90 anos, o diplomata, escritor, compositor e tradutor Luiz Carlos Lessa Vinholes, aos 90 anos, se mantém firme como um promotor e disseminador da cultura. Na Discoteca do Centro de Artes da Universidade Federal de Pelotas, entidade que entregou a ele, na sexta-feira, o título de Doutor Honoris Causa, falou ao Estilo sobre a alegria de receber homenagens, falou um pouco sobre a sua profícua trajetória e disse que vai pedir aos acadêmicos o desenvolvimento de um software que coloque à disposição até de leigos a sua teoria Tempo-espaço, uma metodologia de criação musical.
Luiz Carlos Lessa Vinholes mantém estreitos laços com a UFPel, entre outros motivos por ser o patrono da Discoteca do Centro de Artes, que desde 2014, ostenta o nome do ilustre pelotense. A própria indicação de Vinholes à honraria foi realizada pelo CeArt, em especial pela área de Música da unidade.
A defesa da indicação foi feita pelo servidor da Discoteca L.C.Vinholes, Eduardo Montagna e pelo professor aposentado Mario Maia, criador do projeto na década de 1990. Na época eles destacaram que foram várias as ações realizadas em parceria entre o diplomata e a instituição, mesmo sem ele ter qualquer vínculo formal com a Universidade.
Maia caracteriza como importantíssimas as iniciativas de Vinholes, que beneficiaram não só para a UFPel, mas Pelotas, na medida em que a Universidade está inserida no municipio. "É impressionante a quantidade de coisas que ele fez".
Maia lembra, por exemplo do estímulo a formalização da irmandade internacional entre as cidades de Pelotas e Suzu, no Japão, em 1963, portanto há 60 anos. A proposta proporcionou a realização de intercâmbios entre estudantes japoneses e pelotenses. Também articulou a criação do projeto piloto de uma fábrica de saquê, junto com a Universidade. Mais recentemente fez doações de coleções de obras de arte, especialmente japonesas, datadas dos séculos 16, 17, 18 e 19.
"Como contribuição musical, vai além da cidade, é para o país", diz o professor e pesquisador. Maia se refere ao pioneirismo de Vinholes ao trazer para o Brasil o conceito de música Aleatória. A primeira composição brasileira considerada aleatória é do pelotense e se chama Instrução 61, data da sua estreia. Além de compartilhar conhecimentos e oportunidades com os compatriotas, Vinholes também, durante os anos de trabalho diplomático, contribuiu com a disseminação da música, poesia e artes visuais brasileiras, nas cidades em que viveu.
Feliz com a deferência, Vinholes conta que nunca imaginou receber esse título. "Não esperava. Mas eu quero sempre nesse momento levar em consideração tudo aquilo que as pessoas que sintonizaram com as minhas ideias e que ajudaram a implementar alguma coisa, eu tenho que compartilhar com essas pessoas, ninguém faz sozinho nada."
Pesquisa enriquecida
Vinholes conta que ele se aproximou de Maia por causa da dissertação de mestrado em História intitulada Serialismo, tempo-espaço e aleatoriedade - A obra do compositor Luiz Carlos Lessa Vinholes, defendida pelo professor em 1999. "Ele foi a primeira pessoa, professor de Música, que se interessou pela minha faceta de compositor. E daí surgiram muitas outras teses e monografias, o Mário para mim é fundamental nessa história. Aqui na Discoteca foi ampliado com divisões incríveis, tudo relacionado a mim", fala o compositor.
Vinholes tem feito doações sistemáticas à Discoteca da Universidade desde 2014, quando ganhou o status de patrono do projeto do Centro de Artes. "A Discoteca passou a se chamar L.C.Vinholes e de lá para cá a gente recebeu mais itens de coleções diversas", explica Montagna.
A Discoteca abriga 25 mil fonogramas em seu acervo, sendo considerada a quinta mais importante do país. Vinholes contribuiu com coleções de álbuns e gravações em suportes como fitas cassete, CD's, EP's, LP's, além de películas cinematográficas, entre outros materiais relacionados.
Depois de ter seu nome definitivamente vinculada ao projeto, o pelotense tem contribuído também com outros materiais, que vão desde partituras de suas composições a instrumentos musicais etnográficos e livros, passando por documentos pessoais, como passaportes diplomáticos, cartas e diplomas, entre outros objetos. "Eles não se dão conta, eles abriram espaço para a minha, que eu chamo 'quinquilharia', que eu juntei por tanto tempo."
Além das brincadeira, Vinholes agradece o acolhimento aos seus guardados, algo que o preocupava. "Chegou um momento em que comecei a me preocupar: 'o que vai acontecer com tudo isso'", relembra.
Eduardo conta que o artista é metódico e organizado, o que facilita o trabalho da instituição que recebe as doações. "Ele nos traz as doações descritas, isso é uma maravilha, está tudo registrado. Inclusive a percepção pessoal, como ele recebeu. A gente criou essas coleções dele que enriquecem muito a Discoteca, especialmente para quem pesquisa música", fala Eduardo Montagna.
"Sempre que ele vem se dá um jeito de articular com outros professores para que ele tenha um encontro com os estudantes sobre algum tema de interesse relacionado à composição", lembra Maia.
Início na música
Nascido em abril de 1933, o pelotense foi estudante do Conservatório de Música de Pelotas, antes que a instituição se tornasse unidade da Universidade. Os primeiros contatos com a música ocorreram quando ainda adolescente atuava como cantor do coro da Catedral São Francisco de Paula. "Fui parar no coral da Catedral, onde estava o maestro José Duprat Pinto Bandeira, lá foi onde eu realmente comecei a lidar com partitura", relembra.
Na época, Vinholes, com 16 anos, aprendeu e se tornou um hábil leitor da notação do gregoriano. "O gregoriano é uma matéria que as nossas escolas nunca ensinaram, porque é muito antiga. É como até hoje foi esquecido toda a obra dos nossos povos originários." Em 1953, aos 18 anos, apresentado pela pianista Iara Bastos André, conheceu em Pelotas o maestro alemão Hans Joachim Koellreutter, com quem começou a aprender composição.
Koellreutter conseguiu uma bolsa para que ele estudasse em São Paulo composição e flauta transversal. Na década de 1950, Vinholes começa a se interessar pela técnica dodecafônica, de 12 notas ao invés de sete. "Mas algumas coisas me diziam que não a dodecafônica tinha a ver comigo, porque eu não aceitava dualismos." A composição Paisagem mural (1955) foi a sua experiência derradeira neste estilo, isto porque ao final da proposta musical, Vinholes descumpria o conceito. A rebeldia o fez encerrar de vez a parceria com o seu preceptor Koellreutter. Porém, apesar de não serem mais professor e aluno, os dois músicos foram amigos até o final da vida do alemão.
Ao mesmo tempo começou a criar uma metodologia própria de composição, Tempo-Espaço, que facilita a contribuição de qualquer pessoa na criação de uma música, a qual ele ainda tem expectativa de chegar ao mundo virtual. "Eu quero ver se aqui na Universidade, o pessoal hoje conhece a TI e todas as suas ramificações na música podem criar um software, porque eu não tive conhecimento." Posteriormente dedicou-se a aleatoriedade. "Uma maneira minha de me revoltar contra o establishment, discutindo a definição de música", fala.
Nos anos 60 foi indicado como bolsista para fazer estudos musicais no Japão, onde ficou por dois anos. Mais tarde se tornou adido cultural neste país, desenvolvendo uma longa carreira no serviço diplomático brasileiro.
Programação
Desde quinta-feira Vinholes vem participando de ações promovidas pela UFPel e recebendo homenagens. O título de Doutor Honoris Causa foi entregue no final da tarde de sexta-feira (15), no Centro de Artes, quando também foram executadas composições do homenageado: a aleatória Instrução 61, partes 1 e 2, e as serialistas Um e/ou outro (1954) e Existencialismo (1958).
Ainda dentro da programação de homenagens, neste sábado (16) ocorre a abertura da exposição Pelotas-Suzu: diálogo com Leopoldo Gotuzzo, às 11h, no Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo (Malg/UFPel).
No domingo (17) haverá a inauguração da revitalização da praça Jardim de Suzu, às 11h, na praça Jardim de Suzu, na avenida República do Líbano, 168.
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